Sonic Origins


Escrever numa linha de pensamento, assim, uuuush, sem travões e sem barreiras: vai em frente, mete só por escrito tudo o que passar pela cabeça. Sem filtros, sem paragens. Um bocado como este regresso ao universo do Sonic, agora no Sonic Origins.

Não sei quantas vezes joguei cada um deles e, bom, seria um bocado idiota contar. Quem é que regista quantas vezes comeu aquele gelado bom, no café lá do bairro onde passeava com os pais? Pois, se contam, peço desculpa. Eu não tenho capacidade para esse tipo de registo fotográfico ou de memória. Mas o que tenho são reflexos musculares e anímicos que se ativam imediatamente assim que este ouriço azul aparece num dos vários ecrãs onde o vou colocando.

 Nesta coleção, deu para jogar os quatro que o popularizaram e, se três deles foram um regresso quentinho a cantos simpáticos da minha infância, outro foi uma novidade.

O Sonic 1 (que fatela dizer Sonic 1, tão fatela como escrever fatela em 2024) foi o meu primeiro jogo, tipo, de sempre. O que é tão verdade quanto a minha memória o deixa dizer - na verdade, confio nela para me indicar um facto sobre o qual não tenho provas em contrário. Ao contrário, passe o pleonasmo, da minha memória muscular com os seis níveis deste primeiro jogo, agora em wide-screen, sem barrinhas negras na minha televisão, filtradinho e com animações novas. 

Se por um lado senti-me um Deus com a adição posterior do Spin-Dash neste primeiro título, por outro, não deixava de sentir um desconforto qualquer sobre o qual não conseguia colocar bem o meu dedo. Como aquela sensação de quem veste um casaco antigo, que ainda serve, 10 anos depois da sua última utilização, e percebe que há ali qualquer coisa que não encaixa com o que se lembrava ser a sensação de o vestir. Engordámos? Emagrecemos? Encolheu? Ficou rugoso e desagradável ao toque? Sempre foi assim? Foi esta espécie de coceira mental que me acompanhou nos primeiros níveis, a cada escorregadela, queda para o abismo, embate não programado com badniks (sim, badniks, os robôs, jaulas metálicas dos bicharocos que temos que salvar). 

E, de repente, BLING! É a primeira vez que jogo este Sonic em Wide Screen, 16:9, repensado e reconstruído para este formato. Não foi um trabalho de esticanço de assets, foi mesmo uma recriação do posicionamento e visuais do jogo para que encaixem todos nesta medida. E, portanto, ainda que por centímetros ou muitas vezes milímetros, o jogo que ficou completamente gravado em cada membrana dos nossos dedos tornou-se um nadinha diferente e, portanto, necessário aprendê-lo e decorá-lo de novo. Felizmente, isso acontece com uma versão ainda mais colorida, com novos petiscos visuais, framerate estável, enfim: este Sonic nunca foi tão bonito.

O Sonic 2 foi onde bati mais na trave, porque desconfio que se um dia fizerem a sequência do meu ADN, está por lá algures perdida a quantidade de vezes que parti o jogo com o modo Debug, retirado, aprendido, decorado e, entretanto, esquecido da minha bíblia: um pequenino caderninho cinzento escuro, chamado Truques e Dicas, do Clube Sega. Acontece que depois de repetir tantas vezes a façanha, com anéis infinitos e objetos voadores ultra sónicos, apercebi-me com esta versão que talvez não tenha acabado o jogo de forma legítima tantas vezes quanto a minha caprichosa mente me dissera. Pelo menos, numa run perfeita com as sete esmeraldas capturadas e Super Sonic desbloqueado. 

Outra gigantesca vantagem desta versão com a qual, velho jarreta como tenho a mania de me deixar ser de vez em quando, embirrei e reneguei no lançamento, é o desaparecimento do modelo das vidas finitas, agora substituído por COINS. O que não nos dizem é que estas moedas, que vamos amealhando pelos vários jogos no modo Aniversário, servem como pequenitas moedas de 50 cêntimos que enfiamos virtualmente no jogo para repetir as fases de bónus. Ahhhh, pois. Não há, com muita pena minha, save states, mas temos estes continues numa quantidade bastante simpática para garantir que conseguimos apanhar todas as esmeraldas em todos os jogos. 

Claro está, aproveitei, entre as dentadas para comer mais uma vez as minhas palavras, e descobri um novo Sonic 2, de arquitetura modular: cada andar do mesmo nível, com peripécias, desafios e mecânicas distintas. Uns mais focados no timing dos nossos saltos, outros no desenvencilhar de inimigos colocados de propósito para nos fazer desacelerar e perder anéis, e mais ainda nos que conjugam obstáculos como espinhos, chamas, bombas com plataformas em movimento, molas surpresa, cubos enormes que nos ameaçam esmagar. Enfim, Sonic do bom.

Já o Sonic CD deixou-me um gosto... enfim, tenho algum pudor em classificá-lo como amargo, porque não é que tenha detestado o jogo. Muito pelo contrário: com tanta personalidade, é difícil não gostar da ideia do que pretende ser. Essa talvez tenha sido a minha maior tristeza. É que há ali uma promessa do que viria a ser, mais tarde, a evolução do Sonic pela Mega Drive: níveis verticais, concentração de caminhos alternativos desbloqueados pela velocidade ou precisão de manobragem das várias molas e plataformas, inimigos com comportamentos interessantes e boss fights mais focadas no raciocínio que nos reflexos. 

Infelizmente, tudo isto está dentro dum jogo cujo level design segue a filosofia da minha própria vida: caótico, sem grande sentido, perdido muitas vezes e confuso quando visto de fora. O que é pena, porque não consegui ganhar vontade de voltar a este universo como com os restantes, exceção feita à BANDA-SONORA COMPLETAMENTE DELICIOSA, VIBRANTE, SEXY, ENTUSIASMANTE, E OH MEU DEUS UM SEGUNDO VOU TER QUE A COLOCAR DE NOVO NO YOUTUBE -

 - dizia eu, exceção feita à música que consegue a feliz distinção de ser absolutamente excepcional na versão Japonesa e Europeia, e na versão Americana. E a animação, da Toei, cheinha de detalhes que podiam ter saído dum combate do Goku? Uffff, curtir disto de forma tão visceral é mesmo um diz-me que és miúdo dos anos 90 sem me dizeres.

O Sonic 3 & Knuckles comprova, de uma vez por todas, a minha teoria, baseada em 0% factos e 100% vibes: este é o melhor jogo de plataformas desta geração. Perdoem-me, malta que cresceu com uma Super Nintendo. Eu não cresci, portanto o senhor canalizador para mim é sinónimo de Game Boy. Pela primeira vez remasterizado, é uma profunda delícia ver este portento pixelizado com novas animações, pormenores mais bonitos em cada píxel, a música absolutamente deliciosa e icónica, a transpirar aquela atitude que nos fazia querer ser como o Sonic... até ao Carnival Night Zone e à cacofonia repescada da versão de protótipo.

Je-SUS, a diferença é notória. Um abraço apertado ao Jun Senoue e à sua equipa, a quem calhou a fava de fazer toda uma geração esquecer o que qualquer advogado mandaria classificar como a "alegada" colaboração de Michael Jackson na composição deste jogo. Felizmente, só sofremos em três níveis - Carnival Night, Icecap (EU SEIIIII) e Launch Base - mas é aqui também que se sente um maior... entrave, diria, com o som? Isto porque até este jogo, as músicas, os efeitos sonoros, na realidade, todo o tapete sonoro, foram reproduzidos com uma definição cristalina, quase como se tivessem feito um upgrade às colunas de uma Mega Drive. Aqui, sentem-se comprimidos, abafados, como se estivessem a ser reproduzidos com uma peça de roupa por cima. Não sei se é efeito placebo, se é real, mas não consegui retirar daqui o mesmo prazer auditivo que nos restantes jogos.

Agora, em termos de evolução? Pá, não sei o que vos diga. Bem sei que o Sonic 2 é normalmente o preferido de toda a gente e hey, eu também o adoro de morte, é um dos jogos da minha vida. Porém, o level design aqui está aprimorado, refinado, um caldeirão perfeito das experiências todas dos três primeiros jogos da Mega Drive & CD. E sente-se este culminar, este pico das habilidades desta equipa que criou, testou e aperfeiçoou conceitos de design para jogos de plataformas, sobretudo na secção Sonic & Knuckles. Todos os níveis são altamente icónicos, repletos de segredos, caminhos novos, gimmicks diferentes, interessantes e, sobretudo, divertidas na sua exploração. 

Eu jogo isto, na boa, desde os meus seis, sete anos, já vão quase 30 anos desde que o joguei pela primeira vez e continuo a encontrar pedacinhos novos, cantinhos com caixas surpresa, novos espaços com argolas para níveis de bónus... É um clássico acima de todos os clássicos.

No fim do dia, depois desta jogatana toda, acabei por não experimentar fazer tudo com as outras três personagens que esta coleção nos dá, ou seja, o Tails, Knuckles e Amy Rose em estreia absoluta. Não que não deva ser super divertido, principalmente no Sonic 1 (lá estou eu a ser cringe) que nos tinha dado esse aroma com romhacks noutros tempos da Internet, mas porque tenho a doença da perfeição tóxica: se voltar a jogar tudo, vou ter que apanhar as esmeraldas todas, com todos, mais três vezes, por mais quatro jogos. Fazendo as contas, é (6 + 6 + 7 + 7 + 7) x 4 = SOCORRO, NÃO TENHO ESSA ENERGIA.

Um dia destes hei de tentar, no entanto. Ele lá continua, instalado, na minha Switch, a piscar-me o olho de cada vez que me vê só com 10, 15 minutos para jogar qualquer coisinha. "Anda, bora lá, já imaginaste trepar tudo no Spring Yard com o Knuckles?". Mais depressa me vejo a passear pelos miminhos que esta coleção encerra para pessoas eternamente presas a uma efémera nostalgia da infância, a folhear vezes sem conta os scans dos manuais originais europeus dos jogos, como se tivesse outra vez sentado num soalho de madeira, de pernas cruzadas quando o conseguia fazer sem pensar, cheio de folhas de papel vegetal espalhadas pela sala e um comando preto de teclas brancas ao meu colo.

É difícil uma pessoa não ter palavras carinhosas para um jogo que, essencialmente, guarda versões remasterizadas de pequenos momentos de felicidade da minha existência. Portanto, vou guardar, ainda que temporariamente, o adulto cínico, ignorar o facto de que, para Sonic Origins existir, as versões individuais tiveram que ser todas removidas de todo o lado e simplesmente apreciar a sorte de ter um amigo destes que, 30 e tal anos depois, ainda desperta os mesmíssimos sentimentos que da primeira vez que nos cruzámos.

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